Memorias postumas de uma categoria em transformaçao: a formalizaçào do trabalho informal
A racionalidade que estrutura o setor de serviços é de outra natureza que a do setor
secundario. Logo, o crescimento do setor secundario pode ser visto por muitos como nâo capaz de
criar desenvolvimento e progresso social, pois a forma como os sujeitos constrôem sua auto-
imagem se da de forma totalmente diferente do setor produtivo que incorpora ganhos salariais a
aumentos de produtividade. Para efeitos de comparaçâo, Offe constroi a heterogeneidade a partir
de uma racionalidade sistêmica, nâo pulverizando a sociedade como faz Mingione (1991). Este,
por sua vez, coloca no mesmo plano do mercado tanto o trabalho produtor de valor de troca quanto
o produtor de valor de uso. Quando Offe (1994) demonstra a heterogeneidade social como logicas
diferentes do trabalho que estruturam a consciência e a açâo social, o faz a partir da distinçâo
entre o trabalho produtor de valores de uso e o trabalho produtor de valores de troca. Assim, pode-
se perguntar até que ponto ser um empregado assalariado ainda é significativo à formaçâo de uma
consciência comum de classe? O fato de dois trabalhadores estarem empregados na mesma firma,
mas realizarem tarefas de naturezas distintas, que os estruturam de maneira distinta - trabalho
abstrato x trabalho concreto - nâo garante que ideologicamente ou subjetivamente perceberâo a
realidade da mesma forma, pois suas categorias com as quais dialogam com o outro sâo distintas.
5 Consideraçôes finais
O trabalho passou por distintas metamorfoses desde o final do século XIX. Nos dias de
hoje, se tornaram fluidas e indeterminadas as noçôes classicas de trabalho formal e informal,
usadas para classificar determinadas formas de relaçôes sociais de trabalho. Atualmente, o
trabalho formal sofre um processo acelerado de informalizaçâo e precarizaçâo. Em parte, esse
fenômeno é produzido por polfticas liberais-conservadoras que têm como principal objetivo
remercantilizar espaços sociais antes protegidos ou mantidos à margem das trocas econômicas
capitalistas. Analises como as dos classicos da sociologia, Marx, Weber e Durkheim, que
ressaltavam as sociedades Ocidentais modernas como centradas em um tipo espetffico de
racionalidade do trabalho nâo estavam erradas, apenas tiveram maior contato, na fase de
consolidaçâo do capitalismo, com somente um tipo de racionalidade organizadora da vida social: a
técnico-econômica, instrumental, baseada no trabalho produtor de mais valia. O setor de serviços
ainda se mostrava muito pouco desenvolvido em fins do século XIX. Em funçâo disso, os conflitos
trabalhistas eram tâo freqüentes, ainda que a funçâo dos serviços nâo sejam unicamente amenizar
os conflitos sociais. Os classicos da sociologia, portanto, somente tiveram contato com um tipo de
racionalidade que estruturava a sociedade e ela parecia unica naquele momento. O debate atual,
ao contrario daquele vivenciado pelos classicos, opera com categorias do tipo fragmentaçâo e
segmentaçâo, dando grande visibilidade a fenômenos sociais inteiramente distintos daqueles
observados ou teorizados pelos classicos. Mesmo nos primeiros momentos da Revoluçâo
Industrial, nâo se podia dizer que havia uma centralidade tâo acentuada da sociedade a reger
todas as atividades do trabalho social. Os interesses eram divergentes e a formaçâo de uma
identidade coletiva nâo ocorreu de forma tâo clara, como pode transparecer em grande parte da
literatura sociologica do século XX. Mais do que um res^duo historico arcaico entranhado em
sociedades em processo de modernizaçâo, o trabalho informal é o resultado direto de açôes
econômicas avançadas. A noçâo de trabalho formal, antes tida como lugar comum a que todas as
sociedades tradicionais um dia deveriam alcançar, agora se resume a um conjunto de garantias
trabalhistas destinadas a uns poucos grupos de trabalhadores, em geral, localizados nas principais
economias capitalistas.
secundario. O resultado é uma heterogeneidade sempre crescente no setor de serviços, pois, cada vez mais, o uso de
trabalho concreto é requerido para as situaçôes de controle do processo de diferenciaçâo do trabalho assalariado produtor
de valor de troca.
88 Organizaçoes Rurais e Agroindustriais - v.6 - n.2 - julho/dezembro 2004