Memorias postumas de uma categoria em transformaçao: a formalizaçào do trabalho informal
outras, como América Latina e Âfrica, por padrôes diferenciados, distintos daqueles centrados na
logica dos mercados auto-regulados. O ponto importante é o de que o misto de socializaçâo ou de
formas de sociabilidade se altera. Ele nâo é um padrâo unico. Finalizando, Mingione (1991)
associa diferentes formas mistas de socializaçâo e reproduçâo social. Ele mostra como seria, a
partir das unidades familiares, estruturadas nâo em um, mas em varias combinaçôes de modos de
sociabilidade, que cada uma dessas fam∏ias acabaria se transformando em uma parte diferente do
sistema, pois as combinaçôes de unidades domésticas, no minimo, serâo infinitas. É justamente ai
que residem a fragmentaçâo e a pulverizaçâo das sociedades: diferentes rearranjos de inserçâo
social a partir dos diferentes tipo de sociabilidade ou das diferentes formas de socializaçâo.
Ja para o sociologo alemâo Claus Offe, a preocupaçâo central de sua obra é como a
sociologia classica pode ser contemporaneizada. Marx, Weber e Durkheim construœam suas
concepçôes acerca das sociedades ocidentais modernas centradas a partir da categoria trabalho,
ainda que sob a orientaçâo de pressupostos ontologicos, metodologicos e epistemologicos os mais
divergentes. Para Marx, seu modelo era o de uma sociedade centrada nas dinâmicas da estrutura
econômica como elemento determinante das demais esferas da vida social, ainda que ele
aplicasse a noçâo de dialética entre o que chamou de infra e superestrutura. Ja para Durkheim, a
sociedade moderna se constituiria através da divisâo social do trabalho cuja divisâo das tarefas
aumentaria a solidariedade (do tipo orgânica), pois a interdependência dos indMduos entre si seria
muito maior, ocorrendo ao nivel sistêmico, ao mesmo tempo em que o indMduo encontraria seu
lugar na sociedade, conformando-se a ele. Ou seja, se teria um individualismo moral. Ja Weber
concebe uma sociedade capitalista ocidental erguida a partir da açâo ascética religiosa dos
protestantes puritanos como seguindo um rigoroso codigo ético que resultaria, nâo-
intencionalmente, em um tipo espetffico de capitalismo que so se manifestou no Ocidente. Com o
passar do tempo e o processo de racionalizaçâo da açâo, haveria um descolamento dos fins
religiosos da açâo para o tipo de açâo racional com base na racionalidade técnico-econômica. Offe
(1994) assinala como os classicos da sociologia, ao fazerem suas prediçôes de uma sociedade
centrada no trabalho, acabam por ter suas teorias verificadas à luz de um contra-exemplo. O
trabalho, produtor de mais-valia, nâo seria a unica forma dos homens produzirem a sua auto-
imagem, de se verem e identificar no mundo, assim como de programar seus conflitos e seu futuro.
Ao longo de sua analise, Offe (1984) da inumeros exemplos do aumento das pesquisas emphlcas
na area social em que o trabalho puro apenas aparece como mais uma dentre tantas outras
variaveis capazes de organizarem as açôes dos homens. Offe afirma que o fato de alguém, hoje
em dia, ser um trabalhador assalariado dependente nâo quer dizer que sua consciência e açâo
social sejam determinadas por essa dimensâo da vida social. Toda sociedade tem de reproduzir-
se, isto é, manter seus membros vivos. E, para isso, é preciso interagir com a natureza. Mas
também os homens interagem entre si dentro de formas que lhes sâo dadas por seus
antecessores. A sociedade do trabalho faz isso por meio dos mecanismos de reconhecimento de
posiçôes sociais. O importante é frisar que o trabalho assalariado nâo é a unica forma de se
assegurar a reprodutibilidade do trabalhador, nem de alguém ser reconhecido socialmente, pois as
relaçôes domésticas, por exemplo, podem manter os homens vivos sem que se recorra a relaçôes
de troca capitalistas.
Offe (1994) pergunta: até que ponto a sociedade ainda estara centrada na categoria chave
de analise trabalho? O autor demonstra haver um descentramento da estrutura da sociedade pelo
trabalho autonomizado, produtor de valor de uso. As demais esferas da vida social estariam
autonomizando-se da categoria chave central trabalho produtor de valor de troca. A categoria
chave trabalho em sua dimensâo produtora de valor de troca nâo seria explicativa de diversos
fenômenos sociais observados hodiernamente. Uma determinada parte dos trabalhadores em
serviços reivindicariam, por exemplo, mudanças na forma como os agentes poluentes oriundos da
atividade industrial afetariam a natureza e o homem. A crença de que a racionalidade econômica e
técnica trazem progresso social seria fruto de pontos de vista constrddos externamente ao mundo
do trabalho. Segundo Offe (1994), isso somente foi possivel pela segmentaçâo da classe
trabalhadora. A segmentaçâo entre setor produtivo, baseada na compra de tempo de trabalho
abstrato e o setor de serviços, e na compra de trabalho concreto, mesmo estando sob o mesmo
86 Organizaçoes Rurais e Agroindustriais - v.6 - n.2 - julho/dezembro 2004