Memorias postumas de uma categoria em transformaçao: a formalizaçào do trabalho informal
dispensar a mâo-de-obra muito mais facilmente sem custos onerosos para o empregador. Com o
aprofundamento da discussâo, hoje, da flexibilizaçâo da legislaçâo trabalhista como forma de
reverter o quadro de desemprego crescente, caminha-se para a formalizaçâo das condiçôes
informais, reduzindo com isso uma série de encargos sociais e garantias que de maneira nenhuma
oneram os gastos, pelo menos no Brasil, com a força de trabalho. Ademais, o processo de
subcontrataçâo, externalizaçâo e desverticalizaçâo de certos setores produtivos, chamado também
de terceirizaçâo, cresce como fenômeno caracterïstico da precarizaçâo11 das condiçôes de
trabalho, sobretudo no começo dos anos 1990.
As analises de Borges & Druke (1993) demonstram como a crise do modelo fordista estaria
associada a uma nova etapa da acumulaçâo capitalista flexivel, baseada na exclusâo de milhôes
de trabalhadores e na globalizaçâo da economia. Uma parcela consideravel dos empregos formais
seria transformada em empregos precarios no momento em que deixam de ser realizados pela
empresa mâe e passam a ser realizados pelas terceiras. Os salarios diminuiriam assim como as
garantias trabalhistas e sociais. Nâo obstante, na tentativa de se maximizar o uso do trabalho
terceirizado, deixar-se-ia de cumprir o papel chave da natureza dos serviços: assegurar a
normalidade da atividade produtiva e das condiçôes a elas ligadas, como a normalidade das
formas certificadoras do setor produtivo. Crescem os riscos de acidentes nas empresas e, uma vez
ausente o componente de acautelamento dos serviços, os riscos podem ser divididos com parcelas
inteiras da populaçâo que residem proximas a areas industriais.
Mas, nem sempre a informalidade é sinônimo de precariedade. A subcontrataçâo pode
assumir situaçôes as mais distintas. Na regiâo italiana da Em∏ia Romana12, Em∏io Capecchi (1990)
mostra como, historicamente, se produziu um setor informal de crescimento. O setor informal aqui
baseia-se na atividade proto-industrial de fam∏ias que possdam uma pequena propriedade de
terra. Nessa esfera produtiva familiar, as esposas desenvolviam uma pequena atividade fabril
enquanto os maridos se inseriram em espaços de trabalho mais formais até o momento de se
dedicarem inteiramente à atividade proto-industrial junto com suas esposas. Nesse momento,
produziu-se bem-estar e prosperidade econômica. Mas Capecchi (1990) também mostra a
emergência do informal de subsistência, cujas relaçôes se caracterizavam pelo grande latifundio
ao mesmo tempo em que as fam∏ias nâo tinham a propriedade de nenhuma terra. A partir dessas
outras experiências, pode-se ver como o informal, pelo menos em pa^ses capitalistas centrais,
como o caso da Terceira Italia, pode ser bem sucedido, pelo menos em alguns casos. Isso permite
romper com visôes mais apressadas e rasteiras que vêem o informal como portador de uma logica
quase sempre negativa. Hoje, a analise teorica tem como elementos de problematizaçâo a
fragmentaçâo da classe trabalhadora e o processo de globalizaçâo, ambos os problemas tratados
por Mingione (1991) e Offe (1994).
11 Por exemplo, uma empresa deixa de realizar certo tipo de atividade, sobretudo atividades ligadas aos serviços, ou mesmo
etapas da produçâo, contratando o mesmo tipo de serviço ou atividade produtiva de uma empresa subcontratada chamada
de terceira. Dessa forma, a empresa subcontratante pode assumir os encargos trabalhistas, impostos, normas de
segurança, treinamento da força de trabalho e, no caso dos serviços, da baixa capacidade de racionalizaçâo
estruturalmente definidora dos serviços, de maneira geral. A empresa subcontratadora livra-se dos riscos e da deficiência
de racionalizaçâo dos serviços e acaba por flexibilizar parte de sua unidade produtiva, podendo, em tempos de crises,
demitir ou contratar força de trabalho sem que tenha de arcar com qualquer custo adicional ao seu capital de giro. O
importante é que a responsabilidade é inteiramente assumida pela empresa subcontratada, o que piora as chances dos
trabalhadores terem seus direitos reconhecidos e assegurados.
12 Na Emilia Romana, o partido comunista italiano tem uma presença muito forte desde a Segunda Guerra Mundial. A
cultura da regiâo proporcionou condiçôes para que uma atividade industrial baseada em pequenas empresas pudesse ter
todas as condiçôes de crescer, como creches, apoio ao pequeno empresario, etc. Nâo obstante, na Emilia Romana,
ocorreu um processo de especializaçâo voltado especificamente para atender a empresas localizadas em outras regiôes,
como Modena. Soma-se a isso a caracteristica da “cumplicidade”, em que uma pessoa submete-se a condiçôes de trabalho
informal mas “aprende” todo o processo produtivo e especializa-se em uma parte dele, oferecendo seus serviços montando
uma verdadeira cadeia de empresas subcontratadas.
84 Organizaçoes Rurais e Agroindustriais - v.6 - n.2 - julho/dezembro 2004