Euler David de Siqueira
mais em trabalho informal. A diferença mostrada aqui é a da mudança da argumentaçâo antes
centrada nos atores sociais que produzem trabalho para a dos atores sociais que utilizam trabalho
e, ainda mais, utilizam trabalho abstrato, produtor de mais-valia ou de valor de troca. Se antes o
trabalho formal era visto como normal e jamais sujeito a sofrer qualquer tipo de precarizaçâo - pois
era resultado do desenvolvimento econômico, legitimado e sustentado pelos empregadores e pelo
Estado e, mais ainda, dava as coordenadas para se definir o que era informal - a analise tendia a
recair sobre os que produziam trabalho concreto ou valores de uso, ficando o trabalho abstrato,
trabalho em geral ou compra de força de trabalho, circunscrito à noçâo de formalidade. Dessa
forma, o trabalho concreto era constrddo em cima e por oposiçâo ao trabalho formal, assalariado,
estavel, em tempo integral, institucionalmente garantido e regulado pelo Estado, baseado na
compra de força de trabalho. Enquanto o trabalho formal era visto como o resultado da atividade
econômica empresarial, o trabalho informal era entendido como fruto de açôes de trabalhadores ou
de estruturas arcaicas coloniais. Vai ser a partir dos anos 1980 que o proprio trabalho informal
ganha o mesmo status das açôes empresariais do trabalho formal. A iniciativa privada esta agora
no que se chama de economia subterrânea. Silva (1993) mostra como até o que se pensava ser
intocavel, ou seja, o trabalho assalariado formal, definido legalmente, é visto como passivel de ser
informalizado e mais, sujeito à informalizaçâo. Assim, o trabalho formal, assalariado, de tempo
integral, socialmente segurado, estavel, centrado na produçâo de valor de troca, nâo pode fornecer
o quadro para se definir o informal, pois ele mesmo, em alguns casos, ja se torna informal.
Significa falar que o trabalho formal pode ser precarizado, sujeito a uma série de situaçôes que o
tornem instavel e que o deixem sujeito ao nâo cumprimento de direitos sociais, por exemplo. Em
outras palavras, o trabalho formal começa a se aproximar de relaçôes tipicamente informais.
Finalmente, ao longo dos anos 1980, ja é possivel falar em processos de informalizaçâo com toda
segurança. A regulaçâo estatal do trabalho, vista antes, durante varias abordagens teoricas, como
formais, começa a experimentar o fenômeno crescente da informalizaçâo. Segundo Silva,
“é possivel dizer que a noçâo de economia informal surge em conexâo com uma
multiplicidade de fenômenos reais que, em smtese, poderiam ser denominados de
“processo de informalizaçâo” da esfera polftica, que afeta os requisitos institucionais da
atividade econômica, em particular a regulaçâo do trabalho” (Silva, 1993: p. 34).
A noçâo de informal e todas suas categorias, precarizaçâo, instabilidade e casualidade
acabam por invadir as esferas de trabalho amplamente formalizadas. É dessa forma que nâo se
pode falar mais do informal como informalidade, conquanto nâo se trata mais de um espaço que
deve ser formalizado. Muito pelo contrario. É um processo que esta sujeito a ocorrer em qualquer
esfera, principalmente naquela que dava a tônica do trabalho formal: a esfera estatal que regula o
trabalho. Por isso, Silva vai argumentar em termos de uma informalizaçâo da esfera polftica,
afetando notadamente a regulaçâo do trabalho (Silva, 1993: p. 34). O significado desse
movimento, do ponto de vista concreto, é que setores da força de trabalho social antes submetidos
a relaçôes formais de trabalho podem ser submetidos a condiçôes informais. Nâo se trata mais de
um espaço ou esfera social que, uma vez formal, nunca iria submeter-se à informalidade. Entâo,
atividades econômicas as mais variadas podem sofrer este tipo de processo, seja pela açâo da
iniciativa privada, que busca se opor ao quadro regulacionista estatal, seja como forma de reduzir
custos, aumentar a produtividade e a competitividade, buscando garantir estratégias que
assegurem autonomia à açâo dos sindicatos.
O conjunto da classe trabalhadora, sobretudo dos pa^ses capitalistas centrais, centrada em
relaçôes de trabalho formal, classificada como uma esfera rïgida pela iniciativa privada,
experimenta agora uma série de situaçôes que precarizam seus empregos e suas formas de vida.
Evidentemente, apenas uma pequena parcela em condiçôes de trabalho, chamada por Borges &
Druke (1993) de “relaçôes trabalho de normais” - ou RTN - encontra-se nesta situaçâo. Contudo, a
maioria dos trabalhadores brasileiros ha muito enfrenta relaçôes de trabalho anormais. Uma das
formas de precarizar as condiçôes de trabalho ainda formais é nâo pagar ou pagar menos
impostos, nâo assumindo encargos trabalhistas. O objetivo é, em casos de crise econômica, poder
Organizaçoes Rurais e Agroindustriais - v.6 - n.2 - julho/dezembro 2004
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