Memorias postumas de uma categoria em transformaçao: a formalizaçào do trabalho informal
sociedade como um sistema dual: de um lado os perfeitamente integrados = trabalho formal e os
nâo integrados = trabalho informal.
Em grande medida, as teorias dualistas manifestavam a existência de duas sociedades
vivendo conjuntamente. Novamente, o tema da informalidade surge associado intrinsecamente ao
da marginalizaçâo ou da nâo-integraçâo. A logica do modelo desenvolvimentista girava em torno
da maxima: integrar, integrar e integrar. Kovarick e Oliveira mostram, ainda, como os estudos os
quais criticam, preocupavam-se em detalhar os atributos dos indMduos que facilitam ou dificultam
a integraçâo ao sistema. Muitas outras abordagens seguirâo esse ponto de vista e valorizarâo
perspectivas particulares/psicologicas dos indMduos ou como essas caracterïsticas estariam
impressas em suas personalidades de forma inata, herdadas geneticamente.
O problema da categoria de analise informal ainda se desdobra, portanto, entre os que
concebem o indMduo ou a sociedade como marginais. Kovarick (1975) e Oliveira (1972), ainda
que seus textos sejam distintos quanto à forma, mas semelhantes quanto ao conteudo, guardam
particularidades em comum. Ambos chamam a atençâo para o fato de que o problema nâo é o da
integraçâo do indMduo ao sistema, mas da integraçâo do sistema como um todo ordenado e
coerente. Nessa discussâo, ha abordagens diferenciadas. O que esta em jogo é uma teoria da
modernizaçâo em que ha um passado arcaico colonial que precisa ser substitddo por um presente
moderno. A primeira teoria, de direita, é encabeçada pela CEPAL, a outra, de esquerda, assumida
pela Teoria da Dependência, nâo necessariamente a defendida por FHC.
Ainda segundo Kovarick e Oliveira, a visâo cepalina tentava demonstrar como as relaçôes
comerciais internacionais seriam altamente desfavoraveis ao processo de modernizaçâo das
economias latino-americanas, pois, ao se submeterem ao modelo da divisâo internacional do
trabalho, a qual versava que cada pais deveria especializar-se naquilo que fizesse de melhor,
observaram seus recursos econômicos se transferirem para os pa^ses industrializados. As
economias latino-americanas, reza a cartilha liberal, como sociedades tradicionais baseadas no
modelo colonial agroexportador, deveriam especializar-se na exportaçâo de bens primarios. A
diferença entre as exportaçôes e as importaçôes seriam equilibradas em um modelo para la de
suspeito, chamado de compensatorio. O modelo agroexportador, baseado na extraçâo primitiva de
mais valia, nunca propiciaria acumulaçâo de capital suficiente capaz de promover a riqueza
nacional. Ou, se quiser também, nâo haveria geraçâo de capital que permitisse modernizar o pa^s
e eliminar a dependência das inversôes estrangeiras. O interessante é que, nos anos 1990 fala-se
novamente em modernizaçâo, mas com outros conteudos e significados. Ao exportar produtos com
baixo valor agregado e comprar mercadorias industrializadas de alto valor agregado, boa parte dos
recursos que se acumulava com grandes exportaçôes de produtos agrarios acabava transferindo-
se para as economias capitalistas centrais. O que a visâo cepalina propôe como remédio seria a
substituiçâo e a inversâo das exportaçôes. Ou seja, modernizar sem fazer revoluçâo. O termo
melhor seria uma revoluçâo conservadora.
Mais uma vez, tem-se a discussâo de duas sociedades expressando relaçôes sociais
distintas: uma moderna e outra tradicional; subdesenvolvimento (associado ao passado colonial) X
desenvolvimento (associado ao modelo das sociedades capitalistas avançadas). A categoria de
marginalidade, vista a partir de modelos teoricos classicos, centrados no mercado, como o modelo
europeu, sera entendida a partir da inserçâo dos segmentos populacionais no sistema ou na
cadeia produtiva. O problema agora nâo é mais como integrar os indMduos ao sistema. E por uma
razâo muito simples. Esses ja se encontram integrados e inseridos no sistema produtivo capitalista.
A analise de Oliveira (1972) enfatiza como, à esquerda ou à direita, o problema é da integraçâo do
sistema ou de suas partes. O ponto de partida é o da empresa industrial como unidade chave do
sistema. Nesse modelo, o Estado intervira deliberadamente ao patrocinar a acumulaçâo que
unifica as possiveis diferenças, pois é o comité dos interesses burgueses. A logica de Oliveira
(1972) e Kovarick (1975) é a de que ambos encaminham suas conceptualizaçôes centradas na
logica unitaria e sintética da esfera produtiva e na localidade.
80 Organizaçoes Rurais e Agroindustriais - v.6 - n.2 - julho/dezembro 2004