The name is absent



Memorias postumas de uma categoria em transformaçao: a formalizaçào do trabalho informal

processo geral e universal, a-historico, que poderia se dar em qualquer lugar e em qualquer tempo.
Esse processo geral e universal ocorreria em qualquer tempo/lugar, uma vez que o esprnto
empreendedor, dado naturalmente aos homens, seria algo que brotaria espontaneamente das
praticas e açôes gerais dos indMduos. A filiaçâo de De Soto ao pensamento de autores como
Hobbes, Locke e Rousseau, entre outros, é clara. De Soto (1987) constroi um modelo em que o
indMduo geral e universal, modelo esse tipicamente metaffsico, aparece abstraιdo do quadro de
relaçôes culturais, ético-morais e historicas concretas. A categoria anaiïtica central utilizada por De
Soto é o indMduo abstraιdo da sociedade e da cultura como existindo desde sempre. Hobbes,
Locke e Rousseau, mais uma vez, conceberam esse homem existindo em estado de natureza, na
sociedade civil e que, ao firmar um pacto ou um contrato, funda o corpo polftico artificial. Trata-se
da noçâo de Sujeito que aparece nos “modernos”: um indMduo auto-centrado, transparente,
racional, consciente, que maximiza e racionaliza suas açôes. A noçâo de informal é identificada
com o geral e o universal na obra de De Soto (1987). Trata-se de uma concepçâo
desespacializada e desterritorializada. A emergência do informal nâo esta submetida a praticas e
representaçôes de uma sociedade concreta, constatavel empiricamente. A explicaçâo é a de que a
capacidade empresarial, segundo a perspectiva de De Soto, seria um atributo natural dado aos
homens, independente de aspectos historicos e culturais, logo, algo que nâo esta circunscrito a
qualquer construçâo social e cultural local territorializada.

A discussâo que faz contrapeso à abordagem liberal, desterritorializada e desregulada, é
traçada por dois autores franceses, Cornuel et al. Ambos trabalham com o pressuposto de que o
trabalho informal esta embebido em uma matriz de relaçôes sociais comunitarias locais. Essas
relaçôes seriam estabelecidas a partir do sistema de laços de parentesco, reciprocidade,
redistribuiçâo e afetividade. Cornuel et al. enfatizam aspectos da territorializaçâo de relaçôes
sociais como algo que somente pode ser constrddo socialmente em um espaço/local onde
confiança mutua, parentesco e laços afetivos/sentimentais expressem caracterïsticas simbolicas
que os indMduos têm em comum. Sâo homens que vivem em um determinado espaço constrddo
e mantido social e simbolicamente. Nessa leitura do informal, instituiçôes sociais, como
reciprocidade e redistribuiçâo, seriam formas sociais de trocas em que a retribuiçâo estaria
temporaria mente adiada. Nâo haveria a troca imediata, como ocorre com as relaçôes Upicas do
mercado capitalista. Reciprocidade e redistribuiçâo estâo vinculadas à localidade ou à
territorialidade a partir de uma perspectiva local, base sobre a qual se ergue o mundo simbolico da
vida. Isto quer dizer que as trocas nesses âmbitos sociais seriam reguladas pela convivência em
comum e por arranjos sociais mediatizados por relaçôes de confiança mutua, proximidade,
parentesco e amizade. Ou seja, as relaçôes de troca econômicas estariam sob o controle da
sociedade, como se dava na maior parte das sociedades do tipo tradicionais, tema que Karl
Polanyi tratou de forma abrangente no seu famoso livro
A grande transformaçao (Polanyi, 1980).

Quando o Estado passa a mediar as relaçôes de troca entre os homens, via sistema
poKtico administrativo, o faz destruindo esferas de socializaçâo ético-morais locais. As relaçôes de
trocas mediatizadas pelo aparato estatal, como os serviços assistenciais promovidos pelo Estado
do tipo previdenciario sob a forma de poKticas publicas, seriam “desespacializadas” e
“desterritorializadas”. O seu alcance seria geral e pretensamente universal (Habeas, 1987). Essas
relaçôes estatais de troca criariam desconfiança entre os habitantes da regiâo por estarem
interagindo com sistemas impessoais do tipo auto-regulados. Somente a coesâo, caracterïstica da
vivência proxima e comum, possibilitaria a retribuiçâo. E ela nâo esta baseada na especializaçâo
das atividades, como a prestaçâo de serviços estatais esta. Em uma ou duas palavras,
territorializaçâo/pessoalizaçâo e desterritorializaçâo/impessoalizaçâo relacionam-se,
respectivamente, com estrutura social local/reciprocidade e mobilidade social/rompimento de laços
comunitarios. Essas seriam, sobretudo, formas de açâo societal e comunal. Seriam como esferas
sociais em que as açôes ou se objetivariam, sendo integradas em uma esfera sistêmica à la
Habermas (1987), ou permaneceriam sendo integradas na esfera da açâo social, mediadas
simbolicamente ou lingüisticamente. A açâo comunal nâo é açâo social especializada, como ocorre
na açâo societal, mas uma açâo nâo-especializada, difusa, pronta para ser utilizada em qualquer
situaçâo ou com todos os membros da comunidade, seja da Village ou da aldeia, objeto de analise

78 Organizaçoes Rurais e Agroindustriais - v.6 - n.2 - julho/dezembro 2004



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