Euler David de Siqueira
O cientista social Luis Antônio Machado da Silva6 vai discutir o trabalho informal em termos
de uma “historia das idéias e da sociologia do conhecimento” (Silva, 1993, p. 31). Segundo o
pesquisador carioca, as primeiras asserçôes acerca da noçâo do trabalho informal foram
produzidas no começo da década de 1960 por economistas da O.I.T7. Até os anos 1970/1989, os
pa^ses capitalistas centrais nâo haviam experimentado o fenômeno do trabalho informal. A
informalidade ou nâo ocorria nas sociedades ocidentais modernas ou simplesmente nâo era um
fenômeno presente naquele momento nessas sociedades, acreditava-se. Em um primeiro
momento, a noçâo de trabalho informal ira ser representada onde o desenvolvimento econômico
moderno ainda nâo seria uma realidade efetiva e concreta. Sâo, sobretudo, os pa^ses pobres do
terceiro mundo o foco das primeiras conceptualizaçôes acerca da noçâo de informalidade. De
forma geral, significa classificar o informal a partir da noçâo de um tipo de trabalho considerado
como formal.
E o que é o trabalho formal? Trabalho formal vai ser compreendido como um quadro de
relaçôes sociais que expressam relaçôes de trabalho assalariadas nâo-precarias, nâo-casuais,
estaveis, mveis elevados de produtividade, trabalho em tempo integral, direitos sociais garantidos e
reconhecidos pelo Estado, direito à sindicalizaçâo, elevada remuneraçâo, etc. Todas essas
caracterïsticas gerariam progresso, desenvolvimento social e estabilidade aos membros de uma
sociedade. O trabalho formal seria aceito e legitimado por atores coletivos como o Estado, bem
como pelos demais segmentos da sociedade, como sindicatos de patrôes e empregados. Essa é a
noçâo de trabalho formal encontrada na maioria dos pa^ses capitalistas centrais até meados dos
anos 1980. Trata-se de um modelo classico a partir do qual os pa^ses do Terceiro Mundo serâo
classificados e que muitos teoricos latino-americanos utilizarâo para analisar a América Latina.
Como a América Latina se situaria quando observada por categorias concebidas nos
pa^ses de capitalismo maduro? Ja haviam se passado quinze anos desde o fim da segunda Guerra
Mundial e algumas areas e regiôes de pa^ses8 em processo de desenvolvimento ainda registravam
elevadas taxas de extrema pobreza e subdesenvolvimento, mesmo apos maciços investimentos de
recursos financeiros de organismos como o FMI, Banco Mundial, etc. A explicaçâo para tal
situaçâo reca^a, necessariamente, sobre o tipo de trabalho ou de relaçôes de trabalho que se
opunham em relaçâo ao trabalho formal, forma social consolidada nos pa^ses capitalistas centrais.
Pelo menos assim se acreditava9. O principal argumento, neste tipo de construçâo teorica, é tomar
as relaçôes de trabalho assalariadas e formais a fim de construir a noçâo do trabalho informal por
oposiçâo. O informal passa a ser definido pelo o que ele nâo é: formal. Entâo, nesse primeiro
momento, a noçâo de trabalho informal é constrdda como noçâo de informalidade. A informalidade
é constrdda por oposiçâo ao formal. Logo, tudo o que escapa à formalizaçâo é visto como
informal. Importante também é a forma como a noçâo de informalidade é representada. Em geral, a
noçâo de informalidade é classificada como espaços sociais ainda nâo submetidos às relaçôes
advindas do processo de modernizaçâo econômica e tecnologica. A corrida desenvolvimentista
efetivamente nâo havia englobado todas as areas da sociedade ou todos os indMduos do globo.
Neste tipo de analise, a informalidade é meramente um fenômeno temporal, fadada ao
desaparecimento e que chegara um dia a todos. O desenvolvimento econômico constitda-se de
uma tarefa a ser desempenhada, sobretudo, pelo Estado, seu principal agente indutor. Seu leque
de açôes deveria integrar as areas ou regiôes que ainda nâo haviam sido devidamente
incorporados ao sistema produtivo e, conseqüentemente, ao processo de acumulaçâo capitalista.
Desse modo, bastava ao Estado desenvolver determinadas regiôes, modernizando-as e o espaço
subdesenvolvido desapareceria naturalmente. Em outras palavras, buscava-se substituir relaçôes
de trabalho informais por formais e inverter, desse modo, a forma de acumulaçâo capitalista e de
6 Africa e posteriormente, segundo Machado, América Latina.
7 Luis Antônio Machado da Silva mostra como a CEPAL adotara a mesma perspectiva analitica para a América Latina,
mesmo depois de aprimora-la conceitualmente.
8 Dependendo do tipo de foco analitico, pode ser o individuo - individualismo metodologico, ou uma dada coletividade -
holismo metodologico.
9 Luis Antônio Machado da Silva mostra como a CEPAL adotara a mesma perspectiva analitica para a América Latina,
mesmo depois de aprimora-la conceitualmente.
Organizaçoes Rurais e Agroindustriais - v.6 - n.2 - julho/dezembro 2004
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