Memorias postumas de uma categoria em transformaçao: a formalizaçào do trabalho informal
geraçâo de recursos fiscais para o Estado. Portanto, trabalho informal, como é Conceptualizado
nas décadas de 1950 e 60, refere-se mais a res^duos de processos econômicos arcaicos de
sistemas subdesenvolvidos enquanto as relaçôes de trabalho assalariadas formais refletem
processos econômicos modernos Upicos de pa^ses desenvolvidos.
Na década de 1970, Silva (1993) argumenta que a analise econômica e social procurarâ
mostrar que a integraçâo ao sistema econômico nâo seria possivel, pois o desenvolvimento
tecnologico poupava mâo-de-obra, produzindo desemprego tecnologico. O resultado desse tipo de
modernizaçâo resultava em demissôes e postos de trabalho que nâo iriam mais ser ocupados.
Nesse sentido, nâo haveria como integrar todos os possuidores de força de trabalho ao sistema
econômico como uma grande homogeneizaçâo das relaçôes assalariadas do tipo formais. A
discussâo, nesse momento, caminhava no sentido nâo mais de uma integraçâo dos possuidores
de força de trabalho, mas de uma complementaridade em relaçâo ao processo econômico.
Começava-se a discutir o trabalho informal em termos dos “usos sociais do trabalho” (Silva, 1993,
p. 32). Diante dessa nova perspectiva, o trabalho informal, classificado como “bens de salarios”
(Silva, 1993, p. 32) pelos economistas classicos, teria como finalidade satisfazer um quadro de
necessidades - entendidas aqui como a pauta basica para a reproduçâo material e espiritual do
trabalhador - que nâo sâo atendidas pelos salarios/rendas do setor formal, principalmente na
América Latina, onde o emprego formal esta baseado em salarios achatados e de pouco valor de
compra, uma vez que as mercadorias produzidas sâo, em sua maioria, direcionadas à exportaçâo,
ou para uma determinada fatia de consumidores capazes de pagar e de arcar com os custos de
determinados produtos. É dessa forma, portanto, que o trabalho informal relaciona-se
sistêmicamente com o processo de acumulaçâo capitalista: serve como forma de aliviar ou
desonerar as demandas sociais por melhores salarios e satisfazer necessidades de reproduçâo
social10 dos trabalhadores menos favorecidos pela poKtica monetaria. Voltando aos anos 1970, vê-
se como a extraçâo de mais-valia indireta ocorre naqueles moldes propriamente ditos vistos acima.
Ja nos anos 1980, Luis Antônio Machado discute a “virada dos anos 80” (Silva, 1993, p.
33). Machado demonstra como a açâo estatal - antes vital para o desenvolvimento e a
acumulaçâo capitalista - vista por setores empresariais e mesmo estatais como interventora e
reguladora da atividade econômica, impediria o pleno funcionamento de uma economia de
mercado. Seriam três os fatores para tal argumentaçâo:
Primeiro porque, como agentes econômicos diretos, as organizaçôes estatais nâo sâo
capazes de impedir a politizaçâo de suas atividades e metas, o que as torna menos
eficientes que as empresas privadas. Segundo porque, como entidade reguladora, o
Estado cria constrangimentos burocraticos desnecessarios e às vezes paralisadores da
atividade empresarial. Terceiro, porque impôe uma carga fiscal acima da capacidade das
empresas privadas , provendo em troca de seguridade social, serviços e infra-estrutura de
baixa qualidade e sob critérios injustos. Como conseqüência desses fatores, segmentos da
atividade produtiva passam a funcionar à revelia ou contra o quadro polftico-institucional
que a regula. Gera-se uma economia informal (as vezes denominada de “subterrânea”),
que se torna o refugio e a “verdadeira” expressâo da iniciativa privada”. (Silva, p.33: p.
1993).
Para o autor, o trabalho informal, notadamente durante as décadas anteriores à de 1980,
estava associado de forma substancial à imagem do trabalhador que produz “...atividades
tipicamente realizadas por produtores de valores de uso” (Silva, 1993, p. 33). Na década de 1980,
o quadro referencial/conceitual é alterado, ocorrendo a mudança do referencial trabalhador para o
referencial atividade empresarial. Dessa forma, pode-se falar em uma economia informal e nâo
10 As analises de Gershuny parecem tratar bem desta questâo ao analisar como os padrôes de consumo das familias em
diferentes paises mudam de acordo com as variaçôes na economia. Ou seja, de que forma as pessoas inserem-se de
diferentes formas no setor produtivo, fazendo para satisfazer suas necessidades de consumo, seja apelando para auto-
serviço ou serviço doméstico, tais como: fazer uso da televisâo, da maquina de lavar-roupas, do videocassete, etc. No
entanto, as analises de Gershuny tomam a economia como um todo e como o centro da analise.
82 Organizaçoes Rurais e Agroindustriais - v.6 - n.2 - julho/dezembro 2004