Eneias Ciências & Cogniçâo 2009; Vol 14 (3): 024-038 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cogniçâo
jogniçSo Submetido em 21/09/2009 | Aceito em 19/11/2009 | ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 30 de novembro de 2009
representaçâo verbal e aos quais é apropriadamente feita referência por meio de termos
do vocabulârio da intencionalidade, com a idéia de que as categorias da
intencionalidade sâo, no fundo, categorias semânticas pertencentes a performances
verbais publicas.” (Sellars, 2008: 97)
Wilfrid Sellars (1912-89), eu sua principal obra Empirismo e Filosofia da Mente
(EFM), de 1956, desenvolve uma ficçâo - o mito de Jones - com o objetivo de auxiliar o
entendimento de alguns conceitos de filosofia da mente e da linguagem. O mito inicia a partir
de uma comunidade ryleana (referência a Gilbert Ryle) cujo vocabulârio é restrito a fatos
observâveis e sem referências a episôdios internos, sequer conhecidos por seus membros.
Porém, Jones, adepto do behaviorismo, propôe explicar o comportamento dos integrantes da
comunidade postulando uma teoria a partir da anâlise de seus episôdios internos, e que
permitiria concluir as mesmas coisas que as obtidas pela observaçâo do comportamento
publico. Jones, entâo, chamou tais episôdios de pensamentos, concebendo para eles termos
lingrnsticos e passando a orientar seus colegas sobre como os descrever empregando este
novo vocabulârio: primeiro, relatando o comportamento interno dos outros, e depois os seus
prôprios pensamentos:
“Logo, quando Tom, observando Dick, tem evidência comportamental que sustenta o
uso da frase [...] ‘Dick estâ pensando p’ [...] Dick, usando a mesma evidência
comportamental, poderia dizer [...] ‘Eu estou pensando que p’. [...] O que começou
como uma linguagem com um uso puramente teôrico ganhou um papel de relato. ”
(Sellars, 2008: 109-110)
Com a critica ao mito do dado, primeira parte de EFM, e o mito de Jones, na segunda,
Sellars procura negar a consciência pré-lingmstica1: entender o pensamento requer antes
entender a linguagem. Nesse sentido, ele se opôe às teorias clâssicas que afirmam que a mente
atribui à linguagem um significado, ou seja, o conteudo mental é transferido para a
linguagem. Segundo Sellars, é um erro supor que a linguagem é uma traduçâo de
pensamentos nâo lingrnsticos ou um vefculo para expressâ-los2. Ora, “o discurso publico é a
culminaçâo de um processo que inicia com o ‘discurso interno’, mas nâo porque eles
expressam pensamentos ‘segundo o modelo de uso de um instrumento’ (Sellars, 2008: 109).
Admitir que conceitos precedam à linguagem é aceitar a existência de algum tipo de
representaçâo nâo verbal anterior a prôpria e que é sua causa, o que Sellars enfaticamente
discorda. Um conceito sô é conhecido quando hâ uma palavra que o identifica, portanto, ele
nâo herda seu significado do pensamento e ocorre posteriormente à linguagem. Entretanto,
ninguém ousa negar que um bebê sente dor, por exemplo. Porém, para Sellars, antes de
identificada a uma linguagem, a dor nâo pode ser classificada como tal, tampouco relacionada
a quaisquer outros conceitos (ou seja, uma vez que os conceitos nâo sâo compreendidos
isoladamente, devem participar, como veremos, em uma rede lôgica conceitual).
Por isso, podemos compreender um conceito como uma abstraçâo para o uso de uma
palavra cujo significado é definido pela comunidade. Introduzir conceitos em termos de
prâtica social os torna intersubjetivos, dependentes de reconhecimento publico, isto é, a
linguagem adquire significado por se referir às coisas do mundo (ou internas, mas definidas
publicamente). Por isso, se o significado de uma palavra é seu correto uso publico, ele nâo
pode ser a significaçâo particular do agente e sim o que outras mentes concordariam em
aceitar como tal. Como resultado, para Sellars a questâo da representaçâo interna se torna
secundâria: importa a funçâo que os pensamentos irâo desempenhar no “espaço lôgico das
razôes”.
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