Eneias Ciências & Cogniçâo 2009; Vol 14 (3): 024-038 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cogniçâo
jogniçSo Submetido em 21/09/2009 | Aceito em 19/11/2009 | ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 30 de novembro de 2009
Desse modo, o significado da linguagem nâo pode ser explicado em termos da
intencionalidade do pensamento, pois é ela que explica o pensamento e seu conteudo. Dito de
outro modo: o pensamento ocorre porque hâ linguagem3, e mais: o pensamento tem seu
significado justamente por se referir a uma linguagem.
Sendo assim, entâo, devemos perguntar: ora, como a linguagem publica se relaciona
com o pensamento? Compreendermos a importância dessa relaçâo é o mesmo tipo de
motivaçâo que levou Richard Rorty a afirmar, com algum exagero, que: “segundo Sellars,
caso você possa explicar como as prâticas sociais que denominamos ‘usar linguagem’ vêm a
existir, você jâ terâ esclarecido tudo o que é necessârio sobre a relaçâo entre mente e mundo”
(Sellars, 2008: 18).
1. O funcionalismo de sellars
“Unlike Ryle, I believe that meaningful statements are the expression of inner episodes,
namely thoughts [...] Thought episodes are essentially characterized by the categories of
intentionality.” (Sellars e Chisholm, 1957)
Para Sellars, estados mentais existem e têm significado. Ter um conteudo mental
depende de um estado interno desempenhar uma funçâo num processo interior (a “linguagem
do pensamento”), isto é, estados mentais possuem propriedades semânticas por
desempenharem papéis funcionais no espaça das razoes, do mesmo modo que os termos
lingrnsticos desempenham papéis numa linguagem publica. Ora, a intencionalidade do mental
é explicada pela referência a um significado lingrnstico, que, por sua vez, desempenha um
papel no comportamento publico: o significado dos pensamentos refere-se à fala, o
significado da fala, às prâticas intersubjetivas. Assim, estar em um estado mental é estar em
um estado privado cujo conteudo pode ser expresso funcionalmente numa linguagem publica.
Se pensamentos dependem do papel que desempenham na “linguagem do
pensamento”, diremos entâo que têm uma classificaçâo funcional (da mesma maneira que
fazer uma declaraçâo lingrnstica é também classificâ-la funcionalmente). Afirmar a
classificaçâo funcional de um estado mental é afirmar que ele toma parte numa relaçâo entre
inputs, transiçôes inferenciais (cuja contraparte é lingrnstica) e um output comportamental
(expresso por uma açâo ou uma fala). Ora, isto equivale a dizer que conceitos participam de
relaçôes causais a partir da utilizaçâo interna que lhes é dada, e a intencionalidade é
especificada funcionalmente pelas relaçôes que envolvem estimulos, movimentos lôgicos e
respostas.
Assim, segundo esse raciocmio, a descoberta de que estados mentais sejam tâo-
somente cerebrais nâo compromete a teoria: pensar se define como um conceito funcional, e
nâo biolôgico ou metafîsico. A discussâo mente-corpo se torna menos importante, valorizando
a compreensâo de pensamentos como episôdios de uma linguagem interior que se referem a
algo porque desempenha um papel nas inferências em que participam. Entâo, se o pensamento
se revela na capacidade de expressar relaçôes proposicionais de uma linguagem interna, é
insuficiente dominar o conceito lingrnstico sem saber utilizâ-lo. É preciso ser capaz de
dominar um jaga logica em que um conceito recebe um significado ao assumir uma posiçâo
na estrutura conceitual geral (framework). O conteudo mental se submete às possibilidades
inferenciais na rede de conceitos mentais que se referem sempre a uma linguagem, mas nâo
significa dizer que o pensamento é uma operaçâo direta sobre os termos lingrnsticos ou a
prôpria linguagem publica internalizada. Episôdios de pensamento naa sâo episôdios de fala -
eles sâo apenas expressos em episôdios de fala (pensar nâo é simplesmente falar
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