Capacitaçào gerencial de agricultores familiares: uma proposta...
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ocorre em razào da predominância do trabalho familiar sobre
o assalariado.
Mesmo assim, a concepçào de unidade de produçào
agricola, em que a propriedade e o trabalho estào
intimamente ligados à familia, é delimitada por diferentes
visoes de analise. Guanziroli et al. (2001) afirmam que,
freqüentemente, este tema é equivocadamente associado
à “pequena produçào”, atribuindo um limite maximo de
area ou de valor de produçào à unidade familiar.
Wanderley (1999) caracteriza de forma genérica o
conceito de agricultura familiar, em que a familia, além de
ser proprietaria dos meios de produçào, assume também o
trabalho no estabelecimento produtivo. Esta concepçào
incorpora desde o campesinato tradicional até o produtor
familiar moderno.
Segundo Guanziroli et al. (2001), a agricultura
familiar nào deve ser definida a partir do tamanho do
estabelecimento2. Estes autores partem de um conceito
mais geral, no qual as seguintes condiçoes devem ser
simultaneamente atendidas: (a) a direçào dos trabalhos
deve ser exercida pelo produtor e (b) o trabalho da familia
deve ser superior ao trabalho contratado (terceiros).
Percebe-se que, mesmo aqueles que nào sào proprietarios
da terra, como os arrendatarios, os parceiros e os posseiros,
podem ser caracterizados como agricultores familiares.
De maneira analoga ao modelo proposto pelo
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF)3, Altmann (2002, p. 7) preconiza o conceito de
agricultura familiar de forma mais detalhada, em que:
Agricultor familiar é aquele que explora parcela da terra na
condiçào de proprietario, assentado, posseiro, arrendatario
ou parceiro, e atende simultaneamente aos seguintes
quesitos: utiliza o trabalho direto, seu e de sua familia,
podendo ter, em carater complementar, até dois empregados
permanentes e contar com ajuda de terceiros, quando a
natureza sazonal da atividade agropecuaria o exigir; nào
detenha, a qualquer tɪtulo, area superior a quatro modulos
fiscais, quantificados segundo a legislaçào em vigor; tenha,
no mɪnimo, 80% da renda familiar bruta anual originada da
exploraçào agropecuaria, pesqueira e/ou extrativa; resida
na propriedade ou em aglomerado rural ou urbano proximo.
2Do ponto de vista conceitual, a extensào maxima deve ser
determinada pelo que a familia pode explorar com base em seu
proprio trabalho, associado à tecnologia de que dispoe
(GUANZIROLI et al., 2001).
3 Ver Picinatto et al. (2000).
De acordo com Picinatto et al. (2000), o Brasil possui
75% de seus municipios com menos de 20 mil habitantes,
nos quais a agricultura é a base da economia. Tal atividade
é responsavel, direta ou indiretamente, pela maioria dos
empregos e, conseqüentemente, da renda rural e urbana.
Segundo os autores, mesmo considerando que parte da
populaçào rural dos 25% dos munimpios restantes
dependa de atividades nào-agricolas, é o desenvolvimento
do conjunto das cadeias produtivas agropecuarias
(produçào, industrializaçào e comercializaçào) que gera e
mantém a grande maioria dos empregos na area rural. Assim,
estima-se que entre 35% a 40% da populaçào brasileira
depende direta ou indiretamente do desenvolvimento da
atividade agropecuaria.
No meio rural, os agricultores familiares sào os que
geram mais empregos e fortalecem o desenvolvimento local,
pois distribuem melhor a renda, sào responsaveis por uma
parte significativa da produçào nacional, respeitam mais o
meio ambiente e, principalmente, potencializam a economia
nos municipios onde vivem.
De acordo com dados do Censo Agropecuario de
1995/96, os agricultores familiares somam 4.139.369
estabelecimentos rurais, representando 85,2% dos quase
5 milhoes de estabelecimentos existentes no Brasil. Estes
estabelecimentos familiares ocupam 30,5% da area agricola
total, respondendo por 37,9% do Valor Bruto da Produçào
Agropecuaria Nacional (VBP), o que equivale a cerca de
R$18,5 bilhoes. Entretanto, recebem apenas 25,3% do
financiamento destinado à agricultura (GUANZIROLI et
al., 2001; PICINATTO et al., 2000).
Apesar da importância e da representatividade da
agricultura familiar, problemas estruturais e conjunturais
vividos pelos agricultores devem ser considerados.
Segundo Picinatto et al. (2000), parte significativa desses
agricultores familiares nào tem acesso à terra (sào
arrendatarios, ocupantes ou parceiros), sendo que 39,8%
deles possuem, sob qualquer forma, menos de 5ha de area
total (o que, na maioria dos casos, inviabiliza sua
sustentabilidade econômica por meio da agricultura) e
apenas 16,7% têm acesso a algum tipo de assistência
técnica. Além disso, 44,1% dos estabelecimentos
comercializam menos de 50% do valor da sua produçào,
sendo classificados como pouco integrados ao mercado
(GUANZIROLI et al., 2001).
Esses dados deixam clara a importância social e
econômica da agricultura familiar no Brasil, assim como
suas fragilidades e potencialidades. Por um lado, observa-
se a capacidade de geraçào de renda e emprego, além da
importante contribuiçào da agricultura familiar para a
Organizaçoes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 8, n. 3, p. 313-322, 2006