NOuSeCONÔMKAS Dezembro '07 / (27/41)
No entanto, a sugestâo de Wagner, desde os inicios da década de 1990, foi enriquecida com
uma dùvida muito séria. Dado o crescimento economico, dada a dilataçâo da despesa publica
nas diversas variantes avaliadas (quer como agregado real quer como proporçâo do proprio
produto real), seria concebivel a manutençâo desta relaçâo incondicional? A generalidade das
respostas a esta questâo, entâo esboçadas, declarava, claramente, que nâo. As razôes
prendiam-se, essencialmente, à sustentabilidade das Finanças Publicas, comprometida por
crescimento mais significative da despesa perante a receita e ao perfil explosivo da dMda
publica num contexto de fraco crescimento economico.
Neste contexto, como argumentam Giavazzi e Pagano (1990), podera existir nâo-linearidade
entre os ajustamentos orçamentais e a actividade economica: enquanto num cenario de
pequenos cortes os efeitos Keynesianos dominam, cortes significativos nas despesas publicas
provocam aumentos no consumo privado, ou seja, efeitos neoclassicos podem verificar-se
assim como quanto maior a magnitude dos cortes das despesas publicas, maior é o seu impacto
na reduçâo da dMda publica.
A composiçâo dos ajustamentos orçamentais parece igualmente desempenhar um papel
importante para o seu sucesso. Existe actualmente uma evidência na literatura de que reduçôes
dos défices através de reduçôes das despesas publicas, em vez de aumentos nos impostos,
têm uma muito maior probabilidade de reduzirem o stock de dMda (Alesina e Perotti, 1997). Se
os impostos sâo distorcionarios, se nos focarmos nas despesas, poderemos ter efeitos mais
significativos, ao mesmo tempo que a composiçâo dos cortes das despesas tem um importante
impacto na persistência dos ajustamentos orçamentais: melhorias mais persistentes sâo aquelas
que reduzem o défice principalmente através de cortes das despesas sociais e dos salarios
publicos, enquanto que melhorias menos persistentes sâo aquelas que se baseiam no aumento
dos impostos e nos cortes dos gastos em investimento. Esta conclusâo é explicada por Alesina
e Perotti (1995): “Porque cortes em gastos com salarios na funçâo publica bem como em
subs^dios e transferências sâo muito mais custosos politicamente do que cortes em despesas,
talvez so governos que estâo bastante determinados é que avançam com consolidaçôes que ha
muito deveriam ter sido feitas... Ao mesmo tempo que estes ajustamentos sâo conduzidos no
sentido de melhoras da performance economica, eles sâo associados igualmente com um
melhor futuro da poHtica fiscal.”
Parecia entâo que a original proposta de Wagner, com quase cem anos de explicaçâo vigorosa,
via a sua capacidade explicativa restrita a um periodo historico. Advogava-se, assim, que o
produto real deveria crescer continuamente mas que o movimento dos gastos publicos jamais
deveria continuar a ser encarado como um reactor mecânico - os gastos, resultado de decisôes
polfticas, deveriam ser estancados sob o risco de insolubilidade dos Estados.
Consequentemente, Wagner (1883) ja nâo mais seria valido.
Nesta altura, surgem os trabalhos de Scharpf (1991) e Cusack (1999) que emprestam um novo
fôlego à historicidade de Wagner (1883). Por um lado reconhecem a exogeneidade do produto
real, mas por outro isentam as despesas do caracter mecanicista da interpretaçâo tradicional3.
Defendem pois que o aumento sustentado do produto real (crescimento economico) produz
desenvolvimento economico (melhoria do nivel de vida das populaçôes) mas que este processo
influencia as escolhas, quer ao nivel do indMduo, quer ao nivel da naçâo. As necessidades de
ontem nâo sâo as mesmas de amanhâ devido essencialmente ao crescimento da dotaçâo dos
agentes mas também a preferências dinâmicas.
Consequentemente, a despesa publica pode apresentar limites endogenos mas a sua
composiçâo reflecte um processo de permanente agitaçâo que, em ultima analise, traduz a
3 A reversidade da relaçâo estipula a exogeneidade dos gastos bem como a sua composiçâo e a
endogeneidade do produto real, numa abordagem popularizada por Keynes (1936) e com contribuiçôes mais
recentes seguidoras de Carr (1989) ou Barro (1990). Este trabalho nâo explora essa discussâo.