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TURETA, C. et al.
4 O CASO DA REDE BETA
4.1 Dinâmica interna da rede
Em qualquer organizaçao, e principalmente em se
tratando de uma rede composta por empresas com
interesses comuns e divergentes, as regras,
invariavelmente, sao criadas para fixaçao de parâmetros
de conduta. Cabe, entretanto, avaliar aspectos processuais
das relaçoes entre os atores. Na rede estudada, a criaçao
do estatuto supriu essa necessidade formal e diretrizes
basicas foram estabelecidas. De acordo com o gestor da
rede, so é permitido, numa mesma cidade, um associado
para cada cem mil habitantes, embora este possa manter
quantas lojas desejar. Cidades com nùmero de habitantes
acima desse patamar poderao ter, proporcionalmente, mais
associados “... desde que mantenham uma distância da
qual a gente estipula, que nao atrapalharia a clientela
um do outro” (Gestor da Rede - entrevista 1).
Para ingressar na rede, geralmente, é analisada a
receita da empresa do proponente, valorizando-se o fato
de que seja proxima a daquelas que ja sao participantes do
grupo, bem como a disponibilidade de efetuar futuros
investimentos para se adequar às exigências da rede no
que concerne, por exemplo, à estrutura fisica da loja.
Entretanto, apesar de influenciar na escolha do novo
membro, nao é condiçao indispensavel para o ingresso do
mesmo na rede, pois alguns outros elementos, de
dimensoes mais subjetivas, também sao levados em
consideraçao. Segundo o gestor da rede é possrvel a
entrada de um novo membro no grupo: “desde que ele
pretenda trabalhar corretamente, se for uma pessoa idônea,
ele consegue entrar na rede”.
As expressoes “trabalhar corretamente” e “pessoa
idônea” revelam a importância da reputaçao do empresario
para legitimar sua entrada na rede, nao importando apenas
o potencial econômico. Isso demonstra que o arranjo nao
comporta somente a esfera econômica e, sim, pode ser
mais bem visualizado a partir de uma dimensao
socioeconômica. Tais evidências sao consistentes com as
caracteristicas dos aspectos internos da rede, com uma
estrutura participativa na sua gestao. Todos os membros
possuem posiçoes na estrutura organizacional, que é
composta por um gestor e varios departamentos
encarregados das negociaçoes com fornecedores,
marketing, recursos humanos e administraçao geral.
A diretoria é eleita a cada dois anos e o processo de
aprovaçao de um plano de açoes se da por meio de votaçao
como estabelecido no estatuto. Os votos dos associados
possuem o mesmo peso, independentemente de sua
posiçao na diretoria. A divisao de responsabilidades e a
posiçao de igualdade dentro da diretoria têm a finalidade
de tentar evitar que qualquer um dos atores exerça algum
tipo de poder sobre os outros e manipule informaçoes e ou
beneficios para proveito individual, o que reduz as chances
de ocorrerem comportamentos oportunistas:
“A existência do Presidente, Vice-Presidente, Tesoureiro,
Conselho Fiscal é mais pra fechar ata. O Presidente manda
igual eu. Todos os socios têm o mesmo poder, nao tem
diferença” (Associado B - Entrevista 3).
O poder formal fragmentado contribui para a
manutençao do equilibrio das relaçoes interorganizacionais,
conferindo o mesmo peso a todos os agentes no processo
decisorio. Esta preocupaçao com a simetria de poder na
estrutura organizacional da rede se coaduna com a defesa
do argumento da validade desse tipo de organizaçao.
Procura-se apresentar esta homogeneidade como
associada às melhores condiçoes de compra e venda por
todos os participantes. Este fato evitaria a presença de
individuos dominadores:
“Uma das regras, quando nos criamos a rede, nos
tivemos muita preocupaçao de nao trazer associados
que dessem uma diferenciaçao muito grande de venda
de um para o outro. Até porque seria uma coisa, um dos
fatores que eu enxergo que às vezes determinadas redes
nao vao adiante por causa disso [...]. O grupo é bastante
homogêneo” (Associado F - Entrevista 7).
No entanto, foi possivel identificar a existência de
diferenciaçao de influência entre os membros na conduçao
das decisoes por meio da capacidade de persuasao e visao
de futuro, instaurando na rede o jogo politico, tal como
definido por Klijn & Koppenjan (2000). Mesmo com a
tentativa de evitar assimetrias de poder e manter o equilibrio
de forças na rede, a componente “politica” se faz presente,
manifestando-se no comportamento de liderança que um
ou outro ator exerce em determinados momentos:
“Olha, existe a questao, às vezes, de, instintivamente,
alguém exercer uma certa liderança. Entao, quando existe
essa pessoa que, às vezes, exerce uma certa liderança,
muitas vezes ela consegue colocar o ponto de vista dela.
Porque têm pessoas que é nato dela a questao da liderança,
entao, ela consegue muitas vezes... Isso é meio politico na
verdade” (Associado D - Entrevista 5).
Organizaçoes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 8, n. 1, p. 58-70, 2006